Prisioneira de Agamenon frente aos portões de Micenas, Cassandra só tem algumas horas de vida antes que os guardas de Clitemnestra cheguem para levá-la. Começa, então, a repassar o que foi sua vida e seu destino. O monólogo criado pela escritora alemã Christa Wolf, em Cassandra, coloca em cena os conflitos interiores vividos por esta bela dramática personagem, figura mitológica da Guerra de Tróia. Cassandra, filha dos reis troianos Príamo e Hécuba, num discurso poético e exasperante, lembra sua infância no palácio de sua família, a dolorosa separação de seu pai, seu mergulho na loucura quando suas visões contradiziam as verdades palacianas, os sofrimentos durante a interminável guerra que assolava sua gente. Amada por Apolo, tinha o dom da profecia, porém, como não quis se entregar a ele, recebeu o castigo divino de que ninguém acreditaria em suas palavras. As observações que ela vai tecendo, em diálogos imaginários, fluindo e refluindo no tempo, revelam as facetas da alma humana e = por que não dizer, já que se trata de uma obra de uma autora contemporânea? - do próprio homem acossado pela guerra. Cassandra enfrenta sua própria morte, prevista por ela mesma. Ela enfrenta com lucidez o medo que sente: -Mas quando foi que minha arrogância frente à dor se desfez? No começo da guerra, evidentemente. Desde que vi o medo dos homens: que era o medo diante da luta, senão medo da dor física? Seus truques extravagantes para negar o medo ou fugir da luta, diante da dor. Há um aprendizado do sofrimento diante do terror. 'Parece-me que, no fundo, o que faço é traçar a história do meu medo. Ou melhor, da sua abertura, ou melhor ainda, da sua libertação. Sim, de fato o medo também pode ser libertado, e com isso vemos que ele pertence a todos e a tudo o que é oprimido.'