QUE enigma o autor apresenta, invocando a ameaça da esfinge de devorar quem não decifrá-lo? Calma! - ele parece rogar ao leitor, deixando para o fim a enunciação do enigma e a apresentação da sua chave ( que certamente servirá para abrir várias portas). Enquanto isso, começa por deixar fluir as lembranças mais extraordinárias. A das inacreditáveis coincidências que o surpreendem a cada passo ao longo da vida. Sua atuação de jornalista improvisado no saudoso Diário Carioca, em meio a figuras hoje legendárias na imprensa brasileira. O ponto assinado toda noite e a noite toda, no bar da esquina, em meio à turma de amigos inesquecíveis. Lembranças que vão dos jogos implacáveis de sua infância, até um sapo difícil de engolir. E a do exemplo, ao vivo, de como realidade e fantasia podem fundir-se na vida cotidiana de um escritor. Em seguida narra ele fascinantes episódios da convivência com vários companheiros, como Mário de Andrade, o pianista Sasha, o músico Aloyzio de Oliveira, o ator Adolfo Celi, o romancista Octavio de Faria, os amigos Rubem Braga, Sérgio Porto, Paulo Mendes Campos, Hélio Pellegrino. Não fica nisso. Mergulha de cabeça no mundo das fábulas, que vão de causos mineiros como o da posse do burro, ao do pintor que não sabia pintar. Narra o encontro sonambúlico de um escritor brasileiro com o ator Laurence Olivier em Roma. Conta como Papai Noel ficou a ver navios por causa de uma caixa de uisque. Descreve a noite de amor de um casal sonolento e revela o fascínio de uma jovem pela simpatia de um defunto. Penetrando no mundo encantado das palavras, Fernando Sabino passa a descrever as diversas aventuras e desventuras do escritor com seu esquivo instrumento verbal, na luta pela expressão - em plena vigília ou no mundo dos sonhos, tanto em português como em inglês. A propósito dos originais submetidos à sua apreciação, que jamais tem coragem de ler e não gostar, lança os fundamentos da arte de gostar sem ter lido.