Em Dias perdidos, não é apenas da morbidez oculta de suas personagens que o autor faz depender a duração do argumento ou a tessitura do espaço ficcional. Como é possível notar, à parte a complexidade de personagens como Clara e Sílvio, que se contrapõem, por exemplo, à linearidade de Áurea e Jaques, o corte realista do romance devassa a indefinição interior de seus caracteres e os aproxima, por vezes liricamente, de um contexto em que o desfecho é previsível e o passado serve de lição. Como o leitor verá, o traçado desta obra não nos remete pesadelo interminável que caracteriza suas obras posteriores. Muito ao contrário: a concepção de suas personagens, mais que do mergulho ao mistério, nasce da experiência autobiográfica do autor, como o confirmam as memórias de sua irmã, Maria Helena Cardoso. Cheia de pistas e de alusões reveladoras, elas nos mostram, por exemplo, que o Jaques deste romance, com sua vida erradia e sempre aberta às incertezas da aventura, bem pode ser uma reconstrução literária de Joaquim Cardoso, pai do romancista, também ele um espírito mutante e visionário na trajetória de suas múltiplas andanças. Assim, o realismo de sua atmosfera é antes o realismo da vida simples e limitada, cheia de tédio e de monotonia, não o da Vila Velha do romance, mas o da própria Curvelo, onde o autor conviveu com a singeleza, mas também com a violência e a frustração.