A escassa informação biográfica e a notória recusa de Machado em expor sua vida pessoal foram suficientes para reforçar uma pressuposição comum, e geralmente aceita sem grandes protestos, que acabou tomando contornos de mito: a imagem do mulato embranquecido. Embora não se pretenda investigar se Machado teria de fato abandonado sua madrasta mulata, outro mito a que já se recorreu o bastante, mas para o qual não há adequado suporte biográfico; e se teria se acomodado num casamento burguês com uma mulher branca, portuguesa, este livro busca analisar como se "lê"suas origens negras e de que forma expectativas associadas a conceitos raciais afetaram a concepção de um Machado desracializado, para o bem ou para o mal "um preto de alma branca". Para além dessa delicada questão, este trabalho se distingue por dedicar atenção aos contos, um gênero no qual Machado brilhou tanto, ou mais, do que nos romances, mas que continua sendo preterido muitas vezes em favor das narrativas longas. A ideia defendida é a de que os contos representam uma função própria e bem definida dentro da narrativa de Machado - não somente um esboço dos temas que foram depois melhor desenvolvidos em romance - e, acima de tudo, constituem-se em um fórum muito especial para discussões de questões étnico-raciais.