Os regimes convencionais de proteção da propriedade intelectual, criados para tutelar as produções intelectuais das sociedades industriais, são hábeis a tutelar as três categorias de recursos bioculturais imateriais (RBIs), isto é, os recursos da biodiversidade, os conhecimentos tradicionais e as expressões folclóricas? Regimes sui generis fundados em direitos de propriedade, de quase-propriedade ou em regras de responsabilidade são adequados a salvaguardar os RBIs, tendo em vista suas dimensões únicas? Mecanismos de proteção prioritariamente dedicados a reprimir a apropriação indébita de RBIs são igualmente capazes de promover os pilares de sustentação da concepção de desenvolvimento sustentável, a saber: progresso econômico, proteção ambiental, realização dos direitos humanos e fortalecimento da diversidade cultural? É viável, em termos legais, a instauração de regimes legais, que negligenciem os interesses dos setores usuários de RBIs, inclusive as demandas da indústria? Os regimes em negociação, na esfera internacional, ainda que concluídos com sucesso, alcançarão os objetivos almejados pelos países em desenvolvimento e suas comunidades tradicionais? Qual o regime de proteção mais adequado, em termos de competência, para proteger os RBIs em suas múltiplas dimensões e efetivar a meta de desenvolvimento sustentável? Esses são os principais questionamentos que Tutela Jurídica dos Recursos da Biodiversidade, dos Conhecimentos Tradicionais e do Folclore enfrenta. Sua mais destacada contribuição à literatura é esclarecer que a proteção efetiva dos RBIs passa, obrigatoriamente, pelo resguardo dos interesses dos setores produtivo, científico e cultural de aplicá-los amplamente para fins comerciais. Desde a década de 1960, sem sucesso, os países em desenvolvimento se empenham em alcançar regimes internacionais, apropriados à proteção dos recursos bioculturais imateriais (RBIs), i.e., recursos da biodiversidade, conhecimentos tradicionais e expressões folclóricas. Com a entrada em vigor do Acordo TRIPS da Organização Mundial do Comércio, em 1995, esses países se viram na difícil situação de terem de conceder proteção legal a produções intelectuais em geral, ainda que derivadas de RBIs apropriados indebitamente. Em contrarresposta, desde então, os países em desenvolvimento, apoiados por suas comunidades tradicionais, se articulam em negociar regimes internacionais de proteção para as diversas categorias de RBIs, no âmbito da Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica, da Organização Mundial do Comércio e da Organização Mundial da Propriedade Intelectual. Até o momento, os negociadores não atentaram verdadeiramente que os RBIs não se confundem com as produções intelectuais geradas no bojo das sociedades industriais, porquanto contam com três dimensões peculiares, a saber: as dimensões humana, ambiental e cultural, além da imaterial. Partindo do imperativo de salvaguardar as múltiplas dimensões dos RBIs e promover desenvolvimento sustentável, esta obra identifica as fraquezas e fortalezas das principais propostas de regimes internacionais em construção, assentadas sobre direitos de propriedade, direitos de quase-propriedade e regras de responsabilidade, e propõe um arranjo legal e institucional apto a tutelá-los, de modo a promover: a repressão de sua apropriação indébita; o uso amplo de grande parte dos RBIs para fins produtivos; a geração de benefícios materiais em favor da conservação da biodiversidade e da melhoria da qualidade de vida das comunidades tradicionais; e a proteção cultural destes grupos. Por fim, em reconhecimento à indisposição dos países industrializados para negociarem regimes hábeis a tutelar eficazmente os RBIs, este livro apresenta os fundamentos legais de um litígio que os países em desenvolvimento podem instaurar imediatamente perante o Órgão de Solução de Controvérsias da Organização Mundial do Comércio, a fim de impugnar, com êxito, a legalidade de normas de propriedade intelectual dos países industrializados, capazes de viabilizar a pilhagem sistemática dos RBIs. Se bem utilizada, essa ferramenta pode conferir aos países em desenvolvimento o indispensável poder de negociação para alcançarem seus objetivos.Os regimes convencionais de proteção da propriedade intelectual são hábeis a tutelar os recursos da biodiversidade, os conhecimentos tradicionais e as expressões folclóricas? Regimes sui generis fundados em direitos de propriedade, de quase-propriedade ou em regras de responsabilidade são adequados a salvaguardar os RBIs, tendo em vista suas dimensões únicas? Mecanismos de proteção dedicados a reprimir a apropriação indébita de RBIs são igualmente capazes de promover os pilares de sustentação da concepção de desenvolvimento sustentável? Este livro propõe-se a esclarecer estas e outras perguntas sobre o assunto.