Esta obra convida à reflexão acerca das violações sistemáticas aos direitos e garantias fundamentais da população moradora de favelas sob o pretexto de garantia de segurança para uma parcela da população que tem cor, endereço e classe social bem definidos. A política de segurança pública atualmente vigente, antes de tentar regulamentar o uso abusivo de entorpecentes (o que seria mais pertinente para as políticas da área de saúde pública), visa a controlar os corpos e os territórios da população marginalizada (FOUCAULT, 2009), flexibilizando direitos e garantias constitucionais em nome de uma eficácia em uma guerra cujo objetivo é a dominação das camadas pauperizadas. É interessante perceber que o inimigo, embora corresponda a um padrão específico (jovens, negros, moradores de favelas e periferias e com baixa escolaridade), não pode ser individualizado. Não são apenas os chefes do tráfico organizado que tem seus direitos suprimidos, mas todo o indivíduo que corresponda ao perfil selecionado. Ou seja, não é necessário real envolvimento com comércio varejista de entorpecentes, mas corresponder ao padrão que o Estado entende como traficante. Desta forma, resta evidente o racismo institucional. A partir das pautas do ato político-cultural Ocupa Borel, foi possível desnudar a situação de violações cotidianas de direitos, sobretudo a suspensão de direitos sociais e culturais, em uma tentativa de disciplinação da população moradora do território, impondo uma nova ordem e interrompendo a relação que a comunidade mantinha entre si e com o território, tendo em vista que a livre circulação, a socialização e a vivência coletiva passam a depender de uma autorização do comando militar responsável pela área. O Ocupa Borel significou mais que um ato de denúncia, mas também um ato de afirmação da identidade coletiva de favelado, de morador do morro, e reconhecimento do funk, do rap e do samba como expressões culturais desta identidade.