Uma menina curiosa passa as férias na casa da avó camponesa, deliciando-se com ritos de colheita, curas com ventosas e rezas desconhecidas. Uma adolescente fascina-se pelos cabelos ruivos e pela cedilha no meio do nome - Elça - da colega de escola. No interior do país, um rapaz faz fortuna enquanto cultiva o jeito acabrunhado e o amor pela ópera. Em meados do século 19, a viúva do Conde Monte Cristo acaba aportando, por acidente, no litoral brasileiro, onde é acolhida por uma audaciosa nativa. Esses são alguns dos personagens que habitam os doze contos de Diga toda a verdade - em modo oblíquio. Figuras muito diferentes entre si, elas compõem cenários também tão diversos quanto uma vila de subúrbio, onde uma criança inquieta-se com os segredos dos vizinhos, e uma fria terra estrangeira, na qual uma estudante enreda-se na descoberta de novos poetas e no fluxo surpreendente de uma nova amizade. O que os unifica, desenhando a linha condutora deste novo livro, é uma espécie de estranheza. Seja no buliçoso olhar infantil, nas vias de tormento de amantes enciumados ou nas querelas de profissionais não-realizados, os personagens deste Diga toda a verdade constroem, cada um a seu modo, um estrangeirismo. E, diferentemente da apatia e da saturação que ronda grande parte dos textos contemporâneos, retomam um elemento cada vez mais raro: o assombro, travestido ora em encantamento, ora em tumultuada melancolia. Com a habilidade narrativa que já havia demonstrado em Flores raras e banalíssimas - elogiada obra sobre a relação entre a urbanista brasileira Lota Macedo de Soares e a poeta americana Elizabeth Bishop -, Carmen L. Oliveira fabrica universos íntimos exuberantes, nos quais os detalhes são peças-chave. Ao mesmo tempo, retoma de forma original outra temática rara à literatura brasileira: o amor entre mulheres, a sensualidade homoerótica. Grande parte dos contos de Diga toda a verdade são habitados por personagens femininas que experimentam o amor, o desejo ou a atração a distância por outras mulheres - mesmo que nem sempre seja este o fio condutor da trama. Atiçados por pequenos incômodos, medos e angústias múltiplas, os personagens deste novo livro circulam por diferentes zonas de sombra, abrindo, a cada novo parágrafo, uma chance para outras amplitudes e novos reveses. Como em "A maestrina e suas meninas", na qual a história de uma rígida professora de piano vai sendo montada em fragmentos, de diferentes pontos de vista - sem, no entanto, esclarecer-se por completo. Ou em "Ciranda das sambalelês", que desnuda a conflituosa relação entre um grupo de mulheres de meia-idade, por meio das conversas que têm num almoço de sábado. Em meio a histórias de fracassos e lutas tão corriqueiras, há espaço também para a alegria. Iluminados por epifanias e descobertas renovadoras, os personagens de Carmen experimentam transformações que são o próprio vigor da narrativa. Têm a sensualidade sempre à espreita. Permitem-se a graça do acaso. Desenham existências furiosas, mesmo quando imersos em rotinas de tédio e fracasso. E, como em geral acontece com a boa literatura, atravessam suas próprias histórias de soslaio, enovelados ao escuro - e, por isso mesmo, tornam-se inesquecíveis.