Depois do brilho virtuosístico de Murphy, seu romance de estreia, Samuel Beckett saiu-se com Watt, de 1953. Confirmando seu talento único, a narrativa marcou também uma guinada, anunciando o Beckett que acabou por se notabilizar: aquele atento ao papel que a impotência e a falha jogam na experiência humana, mas sem perder o humor, jamais. Escrito na clandestinidade, entre fugas da Gestapo e colheitas de uvas, no sul da França ocupada, Watt acompanha a saga do personagem-título, um funâmbulo cambaleante e campeão da razão inquiridora que se vê acuado, hostilizado e posto à margem pelos tipos (memoráveis) em que esbarra encarnações de um mundo irracional, mas convencidos de sua própria importância e seriedade. Divertido, corrosivo, exigente e único, erguido entre escombros das convenções narrativas e assombrado pela falência iminente da linguagem, bebendo em resquícios da memória da infância dublinense do autor, Watt tem lugar único na galeria dos heróis beckettianos.