É preciso levar em conta o que o espelho lacaniano deve ao espelho sofiânico de Jacob Boehme. Minha suposição é que, se o espelho lacaniano foi tão novo e continua a sê-lo, é porque reintrodiziu em pleno século XX um esquema de pensamento "irracional", "mágico", barroco, um "hiatus irrationalis" oriundo do misticismo especulativo e teosófico. Esse esquema foi transportado com muita dificuldade para um novo ambiente de pensamento (por Koyré) e deslocado (por Lacan) da deidade para próprio sujeito. É essa a verdadeira audácia do espelho: ter tomado uma forma antiga (e "unária", no sentido não binário) de pensamento como sendo mais moderna que as formas modernas da racionalidade.