Depois do livro Mons. Josemaría Escrivá de Balaguer, de Salvador Bernal, que traçava o perfil do Fundador do Opus Dei, fazia falta um estudo biográfico que o retratasse de corpo inteiro, no despontar e madurar do destino de um homem chamado por Deus para iniciar um novo capítulo na história da Igreja: o da tomada de consciência das responsabilidades do laicado na missão da Igreja. Aos cortes verticais daquela obra, acrescenta-se agora, nesta primeira biografia de Mons. Escrivá, a atenta observação da gênese e do desenvolvimento de um carisma novo que, começando por criar desassossegos na vida de um adolescente, desabrocha num chamado específico, aos vinte e seis anos, sem outro ponto de apoio que não a juventude radiante de um sacerdote, mais a graça de Deus e o bom humor. Se nessa vida impressionam as intervenções de Deus no suave murmúrio de uma locução interior, nas carícias divinas de um fato doloroso, e sobretudo no clarão de luz que, naquele 2 de outubro de 1928, permitiu ao Fundador ver a Obra de Deus , impressionam outrotanto as alturas singelas de uma correspondência fidelíssima a essas graças, escorada numa vontade de aço, num ímpeto de alma grande, numa nobreza de espírito que foram in crescendo ao compasso dos desdobramentos de uma batalha em que estava empenhado o próprio Deus. Profundamente sobrenatural e deliciosamente humano: assim se perfila a figura deste instrumento de Deus que, mal chegado aos trinta anos, já era para uns um visionário e para os que o conheciam de perto um santo, mas que era simplesmente o Padre, com tudo o que a palavra evoca de íntimo, para aquele punhado de homens e de mulheres que quiseram segui-lo com fé em Deus e um pouco de fé neste pobre pecador, como ele o pedia, e que hoje se contam por dezenas de milhares de todas as raças e condições sociais. O autor oferece-nos nesta biografia o melhor de si. Dir-se-ia que no estilo de corte clássico, no encantamento das palavras de sabor antigo, naturalmente combinadas com a desenvoltura de uma construção quase coloquial, nos veios de tênue ironia que sulcam o relato, se propôs duas coisas: por um lado, apoiar na própria forma literária os traços do biografado, em vastidão de tons e ritmos, e, por outro, disfarçar de algum modo a ardente emoção que experimenta pela figura. O que o autor tinha diante de si era a vida de homem que devia não apenas formular a doutrina do caminho de santidade para o cristão corrente, mas ser ele próprio o modelo acabado e amável das virtudes laicais, inteligível tanto para a mente universitária quanto para o vendedor de sorvetes ou o homem do campo. Uma alma assim, em que tinham de juntar-se por vontade divina o céu e a terra, numa orquestração de registros e matizes mais rica que um nascer ou pôr de sol no horizonte de cada dia, é a que o autor se empenhou em fixar, delineando uma pintura cordialmente exigente, sumamente atrativa. Densa em conseqüências, esta obra convida não só à admiração que sempre suscitam as grandes figuras históricas, quando se movem nos planos de Deus, mas à descoberta de um destino que bem pode ser pessoal, de um ideal de vida que do episódico tira a lição permanente, pois neste caso o resumo bem poderia ser o daquelas palavras do biografado: Um segredo. Um segredo em voz alta: estas crises mundiais são crises de santos. De santos empreendedores e alegres, em cada setor da atividade humana.