Numa escrita sensível, tão intuitiva como elaborada, os poemas de Há fogo e água nas palavras nascem do escuro, onde as "mãos de braile" descobrem as palavras exatas e desembaraçam versos. Nas entrelinhas, no respirar de cada verso, o leitor sente o som, as cores, as temperaturas voláteis que marcam a poesia de Felipe Cyntrão. Em chuva de brasa, "o tempo ferve, frita/ mas a mão escreve constrita". Soltando pólvoras e rastilhos, plantando dinamites nas fronteiras dos versos, a palavra arde nos poemas de "Fervura", iluminando as páginas. Para tecer estes versos, parece que o poeta extrai do peito em ebulição as palavras e, com fino trabalho de artesão, transmuta-as em versos melódicos, (di)ssonantes - que vibram vívidos a cada nova leitura. "Um poeta em combustão", como define Luís Turiba no prefácio, que escreve sobre a água e sobre o fogo, numa mistura que implode no vapor da poesia.