Gilberto Freyre considerava-se um "aprendiz de poeta", o que explica o modesto título de seu livro, Talvez poesia, mas que, ao mesmo tempo, permite ao autor "licenças ousadamente antipoéticas". A obra reúne poemas escritos ao longo de muitos anos e "erupções" poéticas, ou seja, trechos extraídos de sua produção em prosa e reduzidos à forma poemática, tarefa desempenhada pelo autor e seus amigos, os poetas Mauro Mota e Lêdo Ivo. O que revela o poeta? Antes de tudo, assim como sua obra de sociólogo e antropólogo, mostra-se apaixonado pelo Brasil e eterno curioso, não raras vezes saudosista de aspectos físicos e imateriais da vida brasileira. Nesse caso, revela-se um persistente observador do cenário de ruas, campos e rios, como podemos comprovar em "Velhas janelas do Recife e de Olinda": "Nas ruas napolitanas/ do bairro de São José/ com as roupas a secar/ ainda se encontram antigas/ janelas quadriculadas/ os xadrezes dos postigos/ que outrora amouriscavam/ todo o Recife".O sonhador se revela em poemas como "O outro Brasil que vem aí", no qual, como um profeta, antevê os dias futuros do país: "Eu ouço as vozes/ eu vejo as cores/ eu sinto os passos/ de outro Brasil que vem aí/ mais tropical/ mais fraternal/ mais brasileiro./ O mapa desse Brasil em vez das cores dos Estados/ terá as cores das produções e dos trabalhos". Poemas nos quais surgem os amarelinhos e as assombrações, tão ao gosto do autor: "Talvez tenha-se tornado alamoa:/ e ruiva como uma alemãzinha/ e apareça nas noites de lua a homens morenos e até pretos,/ assombrando-os e enfeiticando-os/ com a sua nudez de branca de neve/ mas desmanchando-se como sorvete/ quando alguém se aventura a chegar perto/ do seu nu de fantasma/ desmanchando-se como sorvete/ e deixando no ar um frio ou um gelo de morte." Talvez poesia, mas com certeza muito brasileira.