O que é que recordamos das ditaduras? Para que serve, vivendo em democracia, recordar a opressão e a violência ditatoriais? A memória coletiva tornou-se, cultural e politicamente, um intenso campo de batalha nos últimos 40 anos. O ciclo de transformações políticas e sociais que vai desde o final do impulso revolucionário e emancipador nos anos 1970 até à vaga de fundo neoliberal e neoconservadora que se vem espraiando desde então, tem sido, é, em quase todo o mundo, mas particularmente na Europa e no Ocidente, um campo de batalha pela construção da hegemonia no campo da memória. Essa batalha vem-se travando na perceção de que a memória das lutas sociais e políticas do passado é uma componente central da construção das condições de desencadeamento e das perspetivas de novas lutas democráticas e da sua própria viabilidade. Num dos mais longos ciclos históricos de regressão de conquistas sociais conseguidas através da luta contra o colonialismo e contra as muitas ditaduras reacionárias do séc. XX, a tentativa de liquidação da tradição revolucionária fundadora das democracias contemporâneas passa necessariamente pela eliminação do valor universal político-ideológico, ético e moral antifascista, do anticolonialismo e do antirracismo, e, em geral, contra todas as formas emancipadoras de leitura do mundo e das relações humanas.