"Na pátria d'Os Lusíadas, as artes, as variegadas formas de expressão artística, não têm sido atendidas nem fruídas com igual grau de intensidade. A umas sempre se atribuiu bem maior relevo do que a outras. E nessa prolongada desigualdade histórica coube à arte dos sons lugar de malquerença, de maior desestima, estatuto de parente pobretana. De entre todas as clássicas formas, e considerando tão só - essas, a música foi, se muito me não engano, a mais desfavorecida de todas elas. (...)Disso mesmo é prova o presente ensaio que agora de novo se dá à estampa. Foi preciso esperar pelo «IV Centenário da Morte de Camões» e pela edição especial d’Os Lusíadas evocativa dessa mesma efeméride para ver aparecer os primeiros trabalhos de investigação sobre a relação do grande Vate com a arte dos sons e sobre a comparência desta na sua obra; como se, nesta, a música da palavra poética - «a mais musical de todas as músicas de Camões», no dizer do Autor do presente livro - não fosse de suficiente intensidade para despertar o desejo da perscrutação. Coube ao musicólogo João de Freitas Branco a grata tarefa de inaugurar esse tão adiado estudo. Empreendimento que resultou de uma dupla, e quase simultânea, solicitação: a da Biblioteca Breve, do Instituto de Cultura Portuguesa, e a da Comissão da Academia das Ciências de Lisboa associada à preparação da edição crítica d’Os Lusíadas. Tendo esta antecedido aquela, a redacção do texto que agora se reedita antecedeu, também ela, a feitura do livro A Música na Obra de Camões, publicado em Dezembro de 1979 e integrado na Biblioteca Breve como volume número 42. Mas quis o destino que o primeiro a ser redigido fosse o último a ser tornado público. Ambos são, porém, fruto do mesmo trabalho de investigação, tendo sido escritos na mesma época (final dos anos 70 do passado século). Há entre os dois textos uma forte relação de complementaridade, se bem que sejam endereçados a públicos distintos, tendo, por isso mesmo, diferentes «opções verbais e sintácticas» em conformidade com a função divulgadora de um e as exigências de académica erudição do outro. Camões e a Música, aliás como um outro ensaio sobre a relação com as artes plásticas, estava destinado a integrar um dos quatro volumes que a Academia das Ciências de Lisboa se propusera publicar no âmbito da organização da edição d'Os Lusíadas comemorativa do «IV Centenário da Morte de Camões» e do «II Centenário da Fundação da Academia». O atraso verificado na entrega do original do ensaio dedicado às artes plásticas originou que a comissão, então formada na Academia, decidisse optar pela publicação em separado.(...) O carácter de empreendimento pioneiro que singulariza este ensaio, nem por isso lhe facultou larga divulgação, como seria legítimo esperar e desejável. A primeira edição, datada de 1982, com chancela da Academia das Ciências de Lisboa, (...), teve a modesta tiragem de mil exemplares e uma distribuição livreira ainda mais acanhada, quando não muito deficiente mesmo. O livro cedo desapareceu dos poucos escaparates de livrarias onde chegou a marcar presença, logo saindo de circulação. Há mais de duas décadas que é referido como uma espécie de documento introuvable. O próprio Autor, falecido em 1989, apenas possuía dois exemplares. E, segundo julgo saber, já nessa altura não seria muito diferente a situação do Editor. Só por isso, a iniciativa de reeditar o texto, mérito exclusivo da IST Press, perfila-se como gesto de indiscutível relevância cultural."