Malandros, boêmios, jogadores de sinuca, marginalizados pelo sistema, gigolôs, prostitutas, punguistas, vigaristas, dedos-duros, leões de chácara, trombadinhas, desempregados, artistas decadentes, proletários são os grandes personagens de João Antônio. Heróis sujos, desesperançados, amargos, vivendo o dia a dia da cidade com a astúcia, o faro, o apetite pela sobrevivência das feras na selva. Mais que a lei da selva, é a lei do cão que rege esse mundo implacável, sem grandeza, duro, visto com curiosidade por um escritor que registra a realidade como ela é, sem atenuantes, sem frases de efeito, sem falsos momentos de ternura, no mau sentido da palavra, mas com uma viva e mal disfarçada simpatia. Simpatia, identidade, empatia, pois ao contrário de certos escritores de gabinete, João Antônio viveu o mundo de seus personagens, conviveu com mestres da sinuca e otários, sentiu a angústia do trabalhador sem dinheiro para o pão, presenciou a crueldade e a violência das ruas, as perseguições policiais, a passividade dos que aceitam a sua condição de lixo humano e a rebeldia dos revoltados.Daí vem a força de sua narrativa, expressa numa arte refinada, com um longínquo sabor clássico, de um clássico velhaco (como o chamou Jorge Amado), senhor de todos os segredos do conto, expressando-se em uma linguagem inventiva, enriquecida pelo coloquial do submundo, habilmente incorporada ao fluxo da frase artística. Linguagem brasileira, inconfundível, de um escritor identificado com a sua terra, com o Brasil real, cruel e discriminador para tantos de seus filhos ("sou tão brasileiro, gosto daqui e não me ajeito a viver nas estranjas"), mas também cheio de vida, de picardias, de energia e vitalidade, que o escritor colhia como se colhe uma puríssima flor do lodo. Como disse o próprio João Antônio, "a vida não pode ser uma lata velha, enferrujada e triste".