Maria Cláudia Araujo analisa quatro personagens de Fernando Pessoa: Alberto Caeiro, Álvaro de Campos, Ricardo Reis e Bernardo Soares; e traz à luz as diferenças e equivalências entre essas máscaras heteronímicas, a fim de ressaltar os aspectos imanentes e transcendentes que apontam para o divino na poética pessoana. A autora dá especial atenção para o "falso paganismo" que há em mestre Caeiro, pouco observado ao primeiro olhar, pois ele não crê nos deuses da mitologia como entes sobrenaturais, e o que nela preza é apenas a objetividade que flui para a arte, não a religiosidade grega. O único Deus em quem ele acredita é no Menino Jesus que vê e carrega nos braços, como Deus concreto, explícito. Contraponto faz o Deus de Campos, uma Sede de sensações que abarca todas as criaturas. Outro ponto analisado por Maria Cláudia é a diferença entre Reis e seu mestre. Caeiro admite a existência do Menino Jesus Verdadeiro, a certeza que não requer contestação: "o divino que sorri e que brinca", o Deus que materializa a alegria e que lhe educou os olhos, os ouvidos e as sensações; já para Reis, Cristo é "o triste Deus cristão". Por fim, ela nota que Pessoa e Soares são refletidos um no outro e revelam um querer evidente de fusão a Deus, como se a poesia fosse o próprio meio para a transcendência. Por outro lado, também se mostram céticos e lamentam as adversidades da vida. O Deus da poética de Pessoa e do Livro do Desassossego é tanto acessível e imanente ao olhar quanto interiorizado e apreendido pelo viés da transcendência.