O mito de Narciso pode ser entendido como uma condenação moral à vaidade, bem como o pasmo da descoberta do eu, do corpo nosso (des)limite, uma equação móvel cujas variáveis abrangeriam o funcionamento fisiológico, o aparelho psíquico, atravessados pelo entorno, estímulos incisivos, ubíquos. Essa equação flutuante funcionaria como um preâmbulo epigráfico de Exercícios de ser e não ser, de Diogo Rufatto. O livro sonda três temas que não raro se imiscuem: a identidade, o verso, o erótico. Diz-se sondagem devido ao modo como a voz ali o faz: via relato poético, procedimento que parece colher algo do narrar inquirindo de Montaigne, do sensacionismo de Pessoa. A voz poética divaga ensaisticamente quão esquizo se pode ser: Nos incômodos do existir / encontram-se os não seres. Talvez por uma herança simbolista, Rufatto usa da musicalidade (em rimas, aliterações) que ora sugerem fluidez entre os seres do ser, ora, ruptura na passagem, via fonemas do /s/ e /t/. [...]