Não se trata de magia, mas de exercício: dar sombra e contorno ao indizível que passa em frente à caverna de Platão. Não é uma questão de origem, nem de fim, e sim de meio o não lugar; estar sempre a caminho. É sobre esta poesia, mais eloquente quando emudece, que o poeta, escritor, ensaísta e tradutor romeno George Popescu sangra, ou dissimula, ou projeta sua Caligrafia silenciosa título do livro que abre a coleção Espelho do Mundo, da Rocco Jovens Leitores. Dedicada à poesia contemporânea, em edições bilíngues, ela é idealizada pelo acadêmico carioca Marco Lucchesi. Amigos e tradutores um do outro em seus países, Romênia e Brasil, respectivamente, Popescu e Lucchesi convergem seus talentos e olhares (e a latinidade das línguas, ao mesmo tempo tão próximas e tão distantes) neste volume que, desde o prefácio, convida o leitor a refletir sobre o fazer poético como confronto e afronta o caduco que caminha para a novidade subversiva, o novíssimo que se pensa e quer novíssimo e retorna à tradição , como forma de estar no mundo. Selecionados e traduzidos pelo poeta, romancista, ensaísta e tradutor brasileiro, os poemas compreendem dois blocos: Caligrafia silenciosa, escrito entre a Itália e a Romênia, de 2002 a 2005; e Ars Moriendi, concebido por George Popescu a partir de uma viagem ao Rio de Janeiro e a São Paulo, em 2005, para uma série de conferências literárias. Em ambos conjuntos de textos, o autor romeno testa, brinca e exercita a língua sobre sentimentos e sensações, afinal, segundo o próprio, o que é a poesia senão a divisão silábica das coisas vividas? Insinuando-se nos abismos particulares de cada um, os versos de Popescu debruçam-se sobre o homem, sua existência procuro a mim mesmo nos olivais famintos; nenhum rosto; esqueci de onde venho; não sou o escolhido; a ilusão não me concerne; no verso da página ainda se veem/ as intraduzíveis chagas do poeta; é minha a dor inteira/ desse esfomeado oceano. Em meio à crise de valores, estilos, temas, conteúdo e da própria escrita em si, o poeta se põe como protagonista este rosto não possui mais janelas. É o demiurgo que se lança na matéria viva do poema (...) em suas retinas/ uma arte germina e que pelo ato de escrever se dá conta de sua condição humana: Na densa e silenciosa escuridão como a noite/ de um amor desperdiçado/ sequer uma palavra/ só o nariz erguido na direção de um céu invisível// zigoma apertado nesta imagem/ que cai no teu ventre como um cão/ magoado na soleira de sua última vontade/ de tornar-se homem. Uma poesia, enfim, reflexiva e ruidosa a cada silêncio.A coleção Espelho do Mundo é uma janela do presente, aberta para a criação poética dos quatro cantos do globo, no diálogo entre os povos e na cultura da paz. Não o mundo, mas sua representação. Não a imagem, mas o espelho incerto, no qual brilham a diferença, a beleza do rosto, nas vozes de um mundo novo, em construção.