Um livro por vezes é a mais longa gestação que vivenciamos, num processo criativo que pode se arrastar por anos, décadas, ou só começar a dar sinais de vida quando a idade teima em avançar, e o processo de ruminação emparelha-se à manifestação dos fios prateados sobre a fronte. Poucos gozam da fertilidade e da ebulição literária de tantos mestres maravilhosos da poesia e da prosa, que em plena mocidade já veem seus rebentos se mostrarem ao mundo. Mas todos, de uma forma ou de outra, burilam cada palavra com ferramentas íntimas, com maior ou menor precisão, com vigor ou com leveza, no seu devido tempo. E a elas voltam, sempre que se sentem chamados, para mais um carinho, uma inversão, uma conversão, e, numa atitude mais agressiva, até mesmo um total abandono. Mas, diante do olhar de súplica, retornam para extraí-las avassaladoramente do mundo frio das gavetas.