Às vezes a ferida está tão exposta que é preciso embrulhá-la num papelzinho, mesmo que este seja parco, precário. Como se desse esforço dependesse a possibilidade de preservar qualquer coisa de vida ante à emergência da morte, prologando a inevitável putrefação da carne, dos dias, da rotina, dos sentidos, do vocabulário. Um papelzinho que é também uma segunda pele; uma ferida que se faz tão íntima, que é também órgão, entranha. Parece ser com esse gesto que Michelle Pastorini, essa poeta enfermeira de palavras, oferece ao mundo o seu primeiro livro de poemas, Tecido de papel para envolver entranhas. No lugar do bisturi, a caneta. No lugar do manual de anatomia, o dicionário. No lugar da aprendizagem técnica, a alfabetização. É com esses instrumentos que Michelle constrói seu tecido, essa frágil pele de papel na qual escreve, rasura, risca e reescreve, resistindo viva com a enlouquecida gramática das perdas e sem se eximir de reencontrar o amor diante do luto. (...)