Ferrugem inicia-se com a descrição aparente de um procedimento: serrar ossos com um faca de cozinha. Parte de uma imagem-matéria-metáfora. Abrem-se os ossos, disseca-se a corrosão da matéria no corpo. Corrosão que é o próprio corpo. Que é existir e roçar o vazio: dentro é o deserto. A artista-poeta nos dá o rastro, a borra, o escoamento seco-molhado-vazio-oco-borra de imagens e palavras que ocupam o entre. Ocupam na sua condição de vestígio. Dá pra pegar? A mancha na parede? As marcas identitárias conservadas nos dentes? Dá pra pegar quando morre? O que foi aquela vida? Para Barthes, a imaginação poética é improvável. O poema é aquilo que não poderia acontecer em nenhum caso, salvo justamente na região tenebrosa dos fantasmas que, por isso mesmo, ele é o único a poder designar. Se dentro é o deserto, e dentro não tem dentro é seco, é preciso arrancar com a unha as carnes. Clara Machado busca a pulsação, e cria imagens-palavras que adensam e ocupam o deserto, que criam (...)