"Lugares, cenas, personagens, histórias - tudo isso captado não por um impessoal aspirador de realidade, mas pela curiosidade e pelo poder de observação, pelos cinco sentidos de um repórter genuíno, e em seguida filtrado em texto por detrás do qual é possível distinguir um autor", escreve Humberto Werneck a respeito das reportagens reunidas neste livro. Não poderia ser mais preciso. Herdeiro de uma estirpe de grandes jornalistas, entre os quais o próprio Werneck, Ivan Marsiglia tem o raro talento de acrescentar a uma apuração sempre rigorosa a sua prosa elegante e criativa. Nas vinte reportagens deste livro, Marsiglia demonstra se interessar pelos mais diversos assuntos, mas é possível identificar uma preocupação recorrente: contar histórias que revelem ao leitor episódios obscuros do passado - e também do presente - do país. Isso pode ser visto no perfil do juiz que, ainda em plena ditadura, condenou o Estado pela morte do jornalista Vladimir Herzog, ocorrida em 1975. Ou no relato da movimentada - e violenta - madrugada de sábado em um pronto-socorro na periferia de São Paulo. Em um dos textos mais característicos do estilo de Marsiglia, o repórter conta a história de uma onça que deu as caras na beira de uma rodovia. O fato, ao contrário do que seria de se esperar, é reconstituído do ponto de vista, e com o "linguajar", da onça. Há quem defina a utilização de tais recursos narrativos como jornalismo literário, mas o nome pouco importa. O que faz diferença é ler um texto que, mais do que simplesmente informar, é capaz de entregar ao leitor uma grande história.