Alice Steward Trillin era uma pessoa multifacetada: educadora, escritora, consultora de programas de TV, ativista na luta pela prevenção ao câncer. Acima de todas as coisas, porém, era musa - e mulher - de Calvin Trillin, escritor, humorista e lendário jornalista da equipe da revista The New Yorker. Sobre Alice, que chega ao Brasil em tradução da Editora Globo, é o retrato amoroso que Trillin faz dessa musa de mil faces, morta em 2001 depois de uma batalha de 25 anos contra um câncer de pulmão. Mas vale avisar: não espere encontrar melodramas neste livro. Esta é a história de uma mulher vitoriosa, que driblou até mesmo a morte para poder assistir ao casamento da filha mais nova. O livro nasceu de um artigo publicado na New Yorker datada de 26 de março de 2006. Depois de quase cinco anos da perda, e incentivado por um amigo do casal, o autor escreveu um tributo à mulher. Muito mais do que as circunstâncias dramáticas - Alice sucumbiu a uma doença do coração, destroçado justamente pelos anos de tratamento radioterápico -, despertou comoção geral a maneira apaixonada e madura como Trillin reconstituía a genealogia de um relacionamento de quase quatro décadas, recheado das reminiscências felizes. Não se tratava de um lamento pelo que se perdeu, mas da celebração da suprema conquista: uma vida que valeu a pena ser vivida. O artigo teve enorme repercussão, gerando tocantes respostas de leitores de todas as partes dos Estados Unidos. "Eu não sabia que estava escrevendo sobre casamento. Achava que tinha escrito sobre Alice", admite o autor. Enriquecido por mais histórias e editado como livro, Sobre Alice obteve ampla receptividade, permanecendo por quatro meses na lista dos dez mais vendidos do New York Times. Com um texto pleno de humanismo, humor e, sim, saudade - mas livre de qualquer resquício de autocomiseração -, a obra logo foi comparada a O Ano do Pensamento Mágico, best-seller mundial em que Joan Didion relata a experiência da perda súbita do marido, o escritor John Gregory Dunne. Sobre Alice começa com Trillin comentando as cartas de condolências enviadas por leitores, que se sentiam íntimos de Alice mesmo sem conhecê-la. É o ponto de partida para o escritor relembrar incidentes e eventos nos quais sua mulher revelou suas melhores qualidades - seja como mãe que tratava as peças de teatro da escola das filhas como questão de Estado, seja como filha precocemente encarregada de cuidar dos pais, seja como escritora e ativista determinada a fazer médicos e pacientes encararem novas e mais positivas abordagens diante de uma doença terminal. Assim é a Alice das lembranças de Trillin: uma pessoa de energia contagiante, movida por um otimismo que beirava a ingenuidade.