O livro segue a trilha dos muitos livros recentes dedicados... a Deus: ou seja, mapear nos documentos-fonte as verdadeiras origens - logo, as verdadeiras características - da personagem em questão, trazendo com isto, não apenas conhecimento histórico, mas também surpresas teológicas. O que o senso comum acredita ser a expressão de sua religião, como regra é uma mistura dessa religião com arraigadas tradições populares não baseadas em nada além de si mesmas. Isto pode não parecer um problema, pois a religião passaria a ser, então, o que essa tradição popular determina. Deus, porém, não é democrático. Nem a religião, que deve ser a expressão da Verdade. Logo, importa saber o que a religião diz. E o que ela diz, por exemplo, sobre Satã (ou Satanás, como também é chamado), é diabolicamente diferente do que se acredita. Satã é, obviamente, um personagem-problema. Porém, não do modo que se imagina. Em primeiro lugar, não é universal, pois fruto da tradição judaico-cristã. Portanto, a maioria da humanidade simplesmente o ignora. Em segundo lugar, ele não é, na verdade, fruto da tradição judaico-cristã: pois o Satã judaico nada tem a ver com o Satã cristão. Para piorar, o Satã cristão pouco ou nada tem a ver com a Bíblia... Os cristãos, porém, acreditam ser sua religião derivada da Bíblia, e que a figura de Satã é a personificação do Mal, o Príncipe das Trevas e Senhor do Inferno, parte importante de sua religião e, naturalmente, parte da Bíblia. Mas não é. Isto significa, entre outras coisas, que o cristianismo não deriva direta nem exclusivamente da Bíblia, e que Satã não faz parte, necessariamente, do cristianismo. O mais surpreendente, porém, é a maioria dos cristãos ignorar tudo isso. Este livro cumpre, então, um papel cultural que vai muito além de seu escopo específico, ou seja, demonstrar como a figura de Satã foi sendo construída por uma tradição posterior à Bíblia. Pois ao demonstrá-lo, demonstra também, inevitavelmente, não apenas a natureza histórica do cristianismo, como a natureza histórica da religião, senso lato, pois o cristianismo não é, neste aspecto, uma exceção. As questões que o livro coloca são, pois, enormes. Se o Diabo é uma inquestionável construção histórica, simplesmente não existindo como tal na Bíblia, e se o Diabo é parte fundamental da crença cristã, a crença cristã revela-se uma construção humana. Isto pode parecer óbvio para um descrente ou para um não-cristão, mas é apocalíptico para um cristão. Como se não bastasse, este livro, em que pese toda a erudição do autor, é diabolicamente bem escrito.