Suponha que os poemas aqui enfeixados estivessem nas paredes de uma exposição fotográfica. Você entraria na sala e, diante do formato inesperado das fotos, começaria a se preparar, talvez com enfado, para alguma nova sacadinha. Depois de ler alguns desses textos, porém, perceberia que as imagens estavam se revelando em sua mente, construídas com cenas deste repertório de abandono, violência e descaso que escondemos de nós mesmos em algum desvão da memória. Assim, suscitadas pelas palavras, quase vivas à sua frente lá estariam elas: A mendiga despertando sob a indiferença inclemente do sol, coberta de jornais que noticiam as meias verdades do mundo patrimonialista que a regurgitou nas calçadas, junto a outros fantasmas da civilização; A população miserável do bairro industrial tantalizada pelas telas da alienação virtual, enquanto à sua volta as fábricas, como um Vulcano tecnocrata, forjam as armas com que a elite a domina, empobrece e acabrunha; Dois jovens armados correndo atrás de um outro, que começa a tombar com medalhas de chumbo / nas costas, a correria olímpica dos três de tal forma borrada pelo motion blur irônico do fotógrafo que você não sabe quem é branco quem é preto, e assim por diante. Marcos Pamplona