Por alguma estranha razão, a morte, que é o motor de todas as repulsas e dos medos humanos não deixa de seduzi-los e a/traí-los. São pequenas tragédias cotidianas que às vezes com um sorriso de Mona sabe emoldurar-se em todos e cada um. Há música, estrondo e silêncio no abismo - as histórias deste livro se escrevem nas linhas tortas desse pentagrama. Quem gosta de uma literatura assim 'música acima de tudo', mas não caudatária de nenhum simbolismo, se encontrará em espelho de metal nas personagens que vibram como se fossem gente em carne viva. Que se encontra em cada esquina. A frustração, a vingança, o desejo e o desejo de fuga e muito mais do turbilhão de emoção e fantasia do nosso tempo estão aí queimando nas páginas deste livro de antiajuda. Desaparecer e fugir, tão presentes em mais de um conto, não são formas de evasão, mas de libertação. Houdinis de fim de festa. A liberdade assim veste uma combinação de "lascívia e abandono", expressão que o narrador emprega e define bem certas figuras. Esses contos-blues, alguém dirá, são mais que contos, são roteiros prontos de cinema, o que quer dizer, são daquele tipo de literatura inspiradora de outras artes. Não será difícil encontrar histórias encenáveis, dançáveis, e até musicáveis. Talvez pela intensidade sanguínea que faz certas personagens parecerem metáforas e de certas metáforas gente de carne & osso & sangue & lágrimas, cortadas & costuradas como as flores na túnica bordada por Dejanira, ou melhor, Margarida - o seu destino assim escrito não nos deixa mentir. O sofrimento e a beleza estão aqui retratados como saldunes. De maneira tão pungente e viva que um leitor sensível não pode passar incólume. Na verdade, o leitor é chamado a ser comparsa ou cúmplice do autor e seus cadáveres esquisitos, cheios de tanto lirismo que não seria exagero sentir certo frisson pensando que muitas frases são como alfinetes que mergulham na carne (à Lorca) "até encontrar a raizinha do grito". O grito do fim não é o fim do grito, que ainda há um modo mais terrificante - íntimo, feito das asas das sereias. "O silêncio é a máquina de Daniel", diz-se no conto que dá título a este livro. Ali, como acolá, do começo ao fim, há mais que metáfora, há a metonímia do destino, e toda ela tem música. Uma inserta música tatuada nas coisas, nas nuvens, nos bichos. Por dentro. Mas que música? Blues.