O celebrado autor francês Daniel Pennac (Diário de escola; Como um romance) apresenta em seu novo romance um narrador que tem como objetivo entender e se reconciliar com esse estranho tão íntimo: seu próprio corpo. De um acidente humilhante num campo de escoteiros durante a infância aos últimos estágios de uma doença terminal, esse homem traça o Diário de um corpo. Nele, em vez de se concentrar em examinar fatos e detalhes biográficos, decide se dedicar ao físico pele, carne, olhos, dedos, pernas, dentes, secreções, dores e prazeres. Aos 12 anos, o pavor de ser picado por formigas. Aos 16, cabelos oleosos, caspa, espinhas vermelhas no rosto, cravos no nariz, mamilos inchados. Aos 22, a possibilidade de finalmente voltar a sentir o sabor do café puro após o racionamento durante a Segunda Guerra Mundial. Aos 43, um calombo dolorido num dedo do pé e pólipos obstruindo as narinas. Aos 48, insônia crônica e zumbido no ouvido. Aos 55, uma mancha marrom no dorso de uma das mãos. Aos 62, esquecimentos repentinos e constantes de senhas, números de telefone, nomes, aniversários. Aos 67, uma constatação: a partir de agora, meu corpo se constitui em um obstáculo entre o mundo e mim. Aos 73, uma cirurgia na próstata. A agonia chega aos 86. Os passos cada vez mais curtos, a tontura ao se levantar, a falta de fôlego, o joelho travado, a voz enrouquecida, o cansaço súbito, a multiplicação dos cochilos, um diagnóstico de câncer, as transfusões de sangue, a morte. Ao longo de todo o livro, no entanto, o leitor se aproxima da vida e da vitalidade de um personagem que se mostra por completo, em corpo e alma, através da transposição de seus cheiros, lágrimas, ereções, feridas e infecções em emoções, descobertas, temores e decepções. Nós morremos porque temos um corpo, e toda vez é uma cultura o que se extingue, afirma o narrador e é justamente toda essa cultura intrínseca a um indivíduo que compõe a essência de Diário de um corpo.Em "Diário de um corpo", o autor constrói uma ficção singular que flerta com a autobiografia, ao narrar a vida do protagonista a partir de um diário do seu corpo, dos 12 aos 87 anos. Embora tenha atravessado boa parte do século XX e experimentado as novidades do XXI, os aspectos históricos e os estados de alma do personagem pouco interessam aqui; o motor da história é o corpo, com as descobertas e surpresas que ele nos reserva - do desafio de habitar um corpo e criar uma imagem à primeira polução noturna e às limitações do envelhecimento. O resultado é um diário comovente, ora engraçado e amoroso, ora sofrido e ressentido, e uma saudação à magnífica engrenagem sobre a qual montamos nossa existência.