"Se você trabalha fora, comanda ou dirige equipes, trata de assuntos comerciais com homens, interessa-se, por força da profissão, pela cotação do mercado, pela contabilidade mecanizada, enfim, se você é obrigada a deixar de lado as maneiras delicadas e muito femininas, muito cuidado! O grande perigo que a ameaça é a masculinização de seus gestos, de sua palestra, de seu pensamento." O conselho, quem diria, é de Clarice Lispector, e faz parte do lançamento Correio feminino, uma seleção de textos da escritora publicados em colunas e suplementos femininos da imprensa brasileira durante as décadas de 50 e 60. Lidos hoje, estes textos delineiam o contorno da mulher e da sociedade brasileira nos chamados anos dourados. Correio feminino é, acima de tudo, uma deliciosa viagem no tempo. Em tom de uma conversa entre amigas, Clarice Lispector fala sobre os afazeres da casa, as dificuldades da mulher emancipada para conciliar a dupla jornada de trabalho, os cuidados com a beleza e os segredos da elegância. Sob pseudônimos ou como ghost writer, esta Clarice Lispector jornalista feminina revela ao leitor as inquietações, hábitos e tendências da mulher brasileira nas décadas de 50 e 60. Clarice começou a atuar na imprensa em 1940 - três anos antes de lançar seu primeiro romance, "Perto do coração selvagem" - colaborando de modo intermitente com jornais e revistas até dois meses antes de sua morte, ocorrida em 1977. Reunidos pela primeira vez em livro, os textos de sua fase inicial abordavam os mais diversos temas, desde a educação dos filhos aos tratamentos de beleza; dos remédios contra os ratos à busca da felicidade; da escolha do perfume aos dilemas morais. Falava de tudo, passando do trivial ao transcendental com desconcertante desenvoltura. Assim, o que encontramos aqui é uma outra faceta, pouco conhecida e estudada, de Clarice. Uma faceta que irá certamente surpreender e encantar quem se embrenhar pelas páginas deste "Correio feminino".