Trata-se da segunda obra de Heinrich Böll, Prêmio Nobel de 1972, publicada pela Estação Liberdade, depois de O anjo silencioso em 2004, obra que teve de esperar o falecimento do autor para ver a luz do dia, por mexer em feridas ainda muito abertas da Alemanha pós-guerra. Böll é autor de importância capital, junto com Günther Grass (outro Prêmio Nobel) e Peter Handke, para a formação de uma literatura coesa de língua alemã numa época de consolidação do país. No caso da presente obra, a Alemanha retratada é outra. Roída por conflitos ideológicos, sofrendo ocupação e influência das potências vencedoras da Segunda Guerra Mundial, rasgada ao meio por querelas entre protestantes e católicos (quando lançada, a obra suscitou uma polêmica nacional sobre a Igreja católica alemã que durou meses), em crise consigo mesma em todas as esferas, socialmente reprimida e cerceada. É nesse cenário desolador, campo fértil para prosadores hábeis, que se move Hans Schnier, personagem irreverente e irrequieto, prestes a vender sua alma de palhaço profissional e um tanto mefistofélico para poder manter sua condição errante. Persistente, soltando verdades que doem embora não seja nenhum bobo de corte, Schnier renega sua família da alta burguesia industrial e, como a imitar um ato extremo de pantomima, parte com os meios de bordo em busca da reconquista algo quixotesca do amor de sua vida. Abandonado pela mulher, Marie, em decorrência da situação pouco sólida de sua relação e de seus conflitos de natureza religiosa, o palhaço Hans Schnier procura tê-la de volta a qualquer custo. Nesse percurso de retorno à cidade de Bonn e na tentativa de estabelecer novamente o contato que foi bruscamente cortado por Marie, Schnier alterna momentos de depressão e angústia com suas lembranças, desde a infância até o final do relacionamento amoroso. Esse processo de ida e vinda, passado e presente, permite que o leitor vá reunindo as peças que compõem a história e a personalidade complexa do personagem. Narrado em primeira pessoa, o texto apresenta a perspectiva amargurada e por vezes violenta de Schnier, permitindo uma maior liberdade interpretativa ao leitor e assegurando, se não a fidelidade deste aos pontos de vista do personagem, certamente sua permanência até a última linha. Obra marcante por seu humanismo crítico, foi adaptada diversas vezes para o teatro, e em 1976 para o cinema, em bela versão do tchecoslovaco Vojtech Jasny e do próprio autor, com Helmut Griem e Hanny Schygulla nos papéis principais.