Esta boneca tem dentes. Incisivos, caninos, pré-molares, molares, outros dentes. Esta boneca tem dentes que denteiam a casca dura do que hoje se pode entender como o gênero-mulher, as resinas, os vapores, metais cortantes, cristais lancinantes, os fiados, a moldura, a ossatura e todo o ódio que o homem, no tempo, urdiu para compor a casca. Umas vezes, os dentes a mastigam para amaciá-la, chegando mesmo a fazê-la deglutível embora jamais saborosa; outras vezes, esses dentes de palavras fundidas tomam a casca e a perfuram, seguram, chacoalham chacoalham de um lado a outro a casca até esgarçar a sua lógica precária, que arrebenta como ancestral algoritmo de merda que é. Pedaços velozes de gênero-mulher a boneca espalha pelo horizonte, cintilantes e arsênicos. Essas lascas poderiam dar, uma vez mais, em estrela-guia [a boneca, corpo exausto, buscando assento no andar da carruagem abafada dos dias], mas são, aqui, resíduo gelatinoso que ela manipula para usar em favor de seu deleite(...)