Certamente este livro não constitui mais uma introdução à psicanálise lacaniana. Nele, há algo de singular, onde encontramos o germe da subversão. Subversão operada não apenas por seu autor mas, sobretudo, fiel à proposta subversiva de Lacan, condizente com seu estilo. Neste precioso trabalho - elaborado a partir de sua tese de doutorado -, Alexandre Simões, perscrutando, como ele diz, "o litoral da psicanálise diante da filosofia", focaliza o sujeito do inconsciente não para outorgar-lhe uma categoria conceitual e sim, ao contrário, para indicar sua dimensão a-conceitual, na qual o sujeito aparece sem subjetividade - melhor dizendo, revela-se "sujeito enquanto subjetivação". Com isto, vem sublinhar que Lacan não oferece uma nova concepção de sujeito que se soma às outras existentes mas, ao tomá-lo como efeito da linguagem, apresenta um novo modo de pensar a questão, abrindo mão de toda pretensão de conferirlhe alguma estabilidade, uniformidade ou mesmo substância. Trata-se de pensar o sujeito como discordância, como descontinuidade - uma aporia. Ou seja, "se determina não cedendo a nenhuma determinação, localiza-se enquanto não se atendoa nenhum lugar". Nesta via, resta-nos apreender seus rastros, trabalho ao qual se dedica a psicanálise. Toda a elaboração do livro, tanto em termos de seu conteúdo quanto nos aspectos formais e estilísticos, é coerente com a natureza paradoxal desse pensamento, não cedendo nem a simplificações banalizantes da teoria nem a complicações desnecessárias. Bastante clara, mas longe da lógica das luzes, deixando entrever a afinidade da psicanálise com a expressão barroca e com a ética que dela pode ser depreendida - o que a meu ver deve ser celebrado -, a obra se organiza, não em capítulos, mas em planos e movimentos, numa dinâmica espiralar que evidencia essa inspiração estética que, pelo visto, lhe serviu de instrumento metodológico. Ainda que recortando apenas o período compreendido entre 1953 e 1960 da obra de Lacan, referido à primazia do significante, numa torção que conjuga corte e continuidade, sua análise não deixa de iluminar tudo o que dela se desdobrou, razão pela qual este livro se apresenta como contribuição preciosa para a transmissão, não apenas da psicanálise, mas também do estilo de Lacan - o que não é uma tarefa fácil -, razão pela qual recomendo-o vivamente.