Quando o inquérito em torno do qual este livro gira foi lançado estávamos bem longe de supor que a justiça se viria a tornar num dos assuntos do espaço público português. Então tratava-se apenas de na seqüência de um estudo idêntico feito em Macau sondar os sentimentos sobre o justo e o injusto num ambiente urbano português que - por razões técnicas e também logísticas -acabou por ser Lisboa. Embora no inquérito houvesse perguntas sobre o 'aparelho da justiça' não era sequer isso que estava no centro da nossa atenção. O objetivo era antes o de enquadrar a pesquisa no âmbito de uma sondagem sobre a cultura jurídica popular.É conveniente realçar isso agora para que a problemática originária do estudo não fique obscurecida pela mediação de alguns casos judiciais e a conseqüente atenção que isso atraiu para as questões dos processos e da organização da justiça. Há em todo o caso uma ligação entre o nosso 'problema' e alguns aspectos que têm vindo a ser discutidos ultimamente - a da relação entre sentimentos populares de justiça e a cultura. Estes constituem hoje um fator poderosíssimo de condicionamento de valores de opiniões e de atitudes. Sobretudo a televisão que vence as barreiras do analfabetismo funcional e da resistência à leitura e nos socializa dentro das nossas próprias casas. Com os noticiários as telenovelas ou programas sobre 'a vida real' insinuam-se modelos de avaliação de toda a ordem incluindo modelos sobre o que é justo e o que é injusto. Alguns programas assumem-se como tendo intuitos pedagógicos pretendendo impor modelos; outros nem isso pretendendo reproduzir a 'cultura das pessoas comuns'. Claro que isso é mistificador. Já é por demais problemático que existam 'pessoas comuns' antes da sua escolha como objeto da atenção da comunicação social.