Sob a aparência de milhões de variantes em nível de estrutura de superfície, a narrativa trivial encena, em sua estrutura profunda, o ritual da eterna vitória do bem sobre o mal, definidos a priori, maniqueisticamente, sem maior discussão. Essa reiteração é obsessiva e doentia, um eterno retorno do mesmo. Sob a aparência de diversão, faz uma doutrinação, em que os preconceitos do público são legitimados e autorizados. Se a comunidade tanto precisa contemplar o rito da salvação dos bons, involuntariamente caricatos, e a condenação dos maus, intencionalmente estereotipados, ela indicia que a todo momento contempla criminosos ostentando públicas virtudes, vivencia a negação do que lhe precisa ser obsessivamente reiterado para que possa continuar crendo: busca na narrativa trivial a versão laica da promessa de redenção que o cristianismo afirma já ter ocorrido e que as religiões, embora procurem usufruir do monopólio da salvação, parecem ter-se tornado impotentes de garantirem.