Minha vó não entende meu poema. Mas finge que gosta. De mim ou do poema. As pessoas da rua onde cresci não se interessam pelo meu poema. O corretor ortográfico do Word não aceita nenhum verso dele. Voltei a ter medo de morrer quando escrevi o poema. Não tanto quanto tenho de aranha ou de panela de pressão. Mas não queria de verdade morrer. Queria ser pirata com meu poema. Ser astronauta com o poema. Alguns amigos não vão gostar porque falei do poema. Eu ando demais com ele. Ele não cabe na revolução. Não tem noção de justiça. Tem preguiça. Na escola eu dormia nas aulas e tirava notas boas. Era chamado de órfão e não sabia desenhar mapas. Ninguém queria ouvir meu poema. Demorei pra transar. A primeira vez foi na cozinha. Deixei um bolo queimar e quase botei fogo na casa. Minha vó insistia em me levar no centro e na igreja. Anotava as rezas em vários bilhetinhos e espalhava pelo meu quarto. Está de luto até hoje. Os deuses não discutem meu poema porque estão preocupados com a [...]