Poucos são os historiadores que transcendem a barreira do academicismo e produzem obras de valor, tanto sociocultural quanto literário. Mariza Soares está nesse grupo seleto. No pioneiro DEVOTOS DA COR: IDENTIDADE ÉTNICA, RELIGIOSIDADE E ESCRAVIDÃO NO RIO DE JANEIRO DO SÉCULO XVIII, ela estuda organizações religiosas como a Irmandade de Santo Elesbão e Santa Efigênia, mostrando como os escravos constituíram a sua identidade étnica e cultural no Brasil do século XVIII. O livro guarda surpresas para os leitores mais exigentes. Em primeiro lugar, é tecido de modo a explicitar a cada passo os caminhos através dos quais a argumentação se monta e o objeto se define. Além disso, o trabalho da autora contribui decisivamente para o preenchimento de uma das principais lacunas da história da escravidão brasileira - a África. A inspiração de Mariza nasceu da leitura de manuscritos sobre a escravidão africana no Rio de Janeiro colonial: Durante um ano li e reli essa transcrição dezenas de vezes. Cada leitura me trazia novas questões e um incontrolável desejo de saber mais sobre aquele grupo de africanos, muitos deles alforriados, todos convertidos ao catolicismo, explica Mariza, e o mais intrigante, preocupados com a sua salvação e a de seus parentes que permaneciam pagãos na África, a ponto de instituírem uma devoção às almas. A leitura deste manuscrito fazia duvidar de muito do que eu havia lido sobre a escravidão africana na cidade do Rio de Janeiro. A abordagem africanista de DEVOTOS DA COR: IDENTIDADE ÉTNICA, RELIGIOSIDADE E ESCRAVIDÃO NO RIO DE JANEIRO DO SÉCULO XVIII oferece subsídios importantes para que deixemos de, implicitamente, considerar que ser escravo era uma espécie de destino manifesto dos africanos