Os Contos do Gin-Tonic são já um clássico da literatura surrealista, sabemos disso. Continuamos a lê-los e a relê-los, ano após ano, pelos dias fora, pelas noites dentro, sozinhos, em casa, aos amigos, em cafés, em bares, em teatros, nas ruas, à luz de um candeeiro qualquer, numa esquina errante, num espaço algures, de súbito reinventado, traduzido, recriado do fundo da noite pela força motriz destas histórias rocambolescas, destes contos que recriam seres e situações, vidas, paixões e desesperos, recortes erráticos de um outro real, forçando-nos, sem dor, a parir mundos e a abraçar outras formas de pensamento... uma outra e mais ágil maneira de ver... é esta a força viva do surrealismo, nas palavras gritadas pelo buril de Mário-Henrique Leiria, conta ainda aquele conto, Mário, onde nos falas da Ida Sem Volta, aquele conto que surge «no caminho designadamente antecipado pelo voo dos pássaros migradores que agora mesmo se vão de partida para outra cidade de amanhecer definitivo e depois da viagem sempre conhecida da porta e porta na cidade adormecer ao aviso da madrugada e esperar o sinal propício indicado pelo caminho persistente dos peixes a subir o rio exaustivamente nele acordar na noite da noite na cidade até chegar o momento muito matinal de partir no primeiro comboio efectivo da manhã de outra cidade a entardecer».