Traduzir Kafka é ao mesmo tempo uma tarefa dificílima e imprescindível. Dificílima porque a simplicidade do léxico, a singeleza das palavras tomadas uma a uma, contrasta absurdamente com o caráter enigmático gerado por sua combinação, aquele como assim? que nos persegue à medida que percorremos uma escrita que, entrelaçada por silêncio e vazio, nunca abre mão de uma fidelidade à lógica. É interessante perceber que nosso desconcerto e o impulso à decifração que o acompanha são eles mesmos núcleos de conteúdo da ficção kafkiana. Por isso, é imprescindível traduzir Kafka; as diversas tentativas de acomodação da sua língua ao português não são meros exercícios de sinonímia ou de escolha vocabular, mas, na verdade, interpretações, propostas de desvelamento de uma obra que parece se recusar a ser idêntica a si própria. Para dizer com outras palavras, e de maneira algo paradoxal, as traduções, necessariamente díspares e divergentes, contribuem para a configuração do texto original, [...]