Na França dos séculos XIV e XV, as farsas satíricas eram conhecidas como soties. Assim Gide classifica este Porões do Vaticano, livro que tanto o teria divertido durante o processo de criação. O prazer experimentado na leitura não é diferente: logo ao princípio, deparamo-nos com personagens marcantes e caricatos, como o maçom Anthime Armand-Dubois, que oscila entre o ceticismo e a fé, a qual não resiste, por sua vez, ao final da história; Amédée Fleurissoire, católico fervoroso que no transcurso da obra é manipulado, pervertido e enganado... E Julius de Baraglioul, escritor que luta para sair da mediocridade. Algo de muito misterioso envolve a figura do papa, que teria relação com o antigo mausoléu de Adriano, aquela célebre prisão que, em secretas masmorras, havia outrora abrigado muitos prisioneiros ilustres, e que um corredor subterrâneo liga, ao que parece, ao Vaticano. Organiza-se uma quixotesca cruzada para resgatá-lo; Protos, o vigarista, entra em cena; o fio da trama se tensiona e assim se manterá até o final da narrativa. O texto flutua na fronteira entre o teatro e o romance, às vezes assumindo ares de farsa ou de comédia barroca, subvertendo os modelos balzaquianos, apresentando aqui e ali toques de uma estética noir.Publicada originalmente em 1914, esta obra tem como personagem central o estranho Lafcadio, jovem capaz de salvar uma vida ou cometer uma atrocidade com a mesma naturalidade. A misteriosa trama do romance, na qual se movimentam personagens de índoles e motivações diversas, dá ensejo a reflexões de caráter metafísico, como no embate entre os personagens Anthime e Julius de Baraglioul, além de colocar frente a frente a ética e a liberdade absoluta, ou certo niilismo, conceitos sobre os quais paira, provocadora, a figura de Lafcadio.