A mesma razão que manda tolerar originou, ela própria, algumas das mais ferozes manifestações de intolerância no século XX. Afinal, a cultura e o humanismo também segregam a barbárie, tal como haviam feito e continuam a fazer as religiões e a simples natureza. Do ponto de vista teórico, a consistência dos laços sociais e a espessura do fio que liga entre si os diversos indivíduos e comunidades é extremamente frágil, um fio de nada. Sem ele, porém, as nossas sociedades transformar-se-iam num arquipélago de convicções mutuamente ameaçadoras. O que está aqui em causa é precisamente esta ambiguidade: sabemos que temos de tolerar, sabermos que nem tudo pode ser tolerado, e não sabemos onde traçar exatamente a fronteira entre o tolerável e o intolerável.