Recordar é colocar de novo no coração. Mais do que um relato de acontecimentos, trata-se aqui de uma tentativa de reconstituição da atmosfera que se vivia na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, quando situada na Rua Maria Antônia, nesses anos tensos e intensos de um pouco antes e um pouco depois do golpe militar. Pois antes do dramatismo de se tornar em 1966 o lugar onde se feriu, no nível estudantil, a batalha simbólica da esquerda e da direita (USP versus Mackenzie), a Maria Antônia foi o espaço das grandes transformações interiores das gerações que por lá passaram. Falar da Maria Antônia da década de 60 significa falar de uma universidade que servia de catalisador de toda uma fermentação ideológica e cultural, em que conscientização e participação eram palavras-chave. A atmosfera da faculdade sugeria ao estudante, além de busca de competências para pensar o Brasil, o senso de participação política e de responsabilidade social de que uma pichação num dos muros do pátio do Grêmio, constantemente sob os olhos dos estudantes, era testemunha. Papel da Universidade / denunciar as injustiças. Interiorizado, esse escrito se imprimia a ferro e fogo nos corações. Dizia da função que, um tanto confusamente, se achava que a Universidade devia desempenhar na luta pela superação das desigualdades deste pais. Por isso é que, ao lado da apresentação dos assuntos mais discutidos da época, de peças do CPCs da UNE, das canções dessas era riquíssima da MPB, dos shows e festivais e teatros, compare-os aqui a tentativa de reconstituição de uma das mais significativas atividades extramuros a que esse aguilhão da responsabilidade social, impelia os estudantes: a Alfabetização de Adultos Método Paulo Freire, realizada numa vila operária de Osasco. Vila Iolanda se transforma, assim, quase que num campus avançado da USP. Tudo isso até dezembro de 1968, quando o AI-5 garroteou a liberdade e a esperança. Mas esse esforço de memória não se quer melancólico nem nostálgico: como diz Adorno, o que importa não é recuperar o passado, mas resgatar as esperanças do passado. E forjar esperanças novas.