Passaram-se vinte anos* desde quando o último canhão emudeceu e o pano baixou sobre o palco gigantesco da Terra, dando assim por acabado o último ato da desmedida tragédia da Segunda Guerra Mundial. O fim desse espetáculo sinistro, cuja última cena fora apocalíptica, foi visto por todos os homens, que eram, ao mesmo tempo, assistentes e atores do drama que havia destroçado o mundo. Quase parafraseando às avessas um dos principais atores, é preciso dizer que nunca tantos sofreram e morreram por causa de tão poucos. Não há lembrança pior na história da humanidade, de que a fúria coletiva tenha chegado ao ápice do paroxismo, a ponto de escrever, a tinta de sangue, uma página da sua absurda história bélica, como se fosse o compêndio de uma gigantesca enciclopédia de sacrificados. Dois fatores, entretanto, foram os principais causadores do desastre: o egoísmo colonialista e o nacionalismo fanático. É este um binômio feito de tabus, de deficiências que, postas numa proveta de qualquer laboratório patriótico, dão infalivelmente, como resultado, um híbrido monstro, feito de hipócrita malvadez e de celerada velhacaria. Nunca o verme do ódio misantropo rastejou de forma tão falsa. Ele chegou a deformar as mentes, ofuscando-as com a névoa sanguinária do assassinato, tanto que, no meio do massacre generalizado, vislumbrou o refinamento degradante de um calculado genocídio. Agora o tempo abrandou os ânimos e, ao passo que a memória bóia na neblina do esquecimento, os acontecimentos de outrora assumem na lembrança as características dos quadros de tintas desbotadas, confundindo os fatos e atenuando assim falsamente as recordações da catástrofe que deixou a humanidade pasmada à beira do abismo. * Refere-se ao período compreendido entre o término da Segunda Guerra Mundial (fins de 1945) e a redação deste livro (1966).