A pintura e o desenho continuam sendo para mim a parte mais importante no meu dia-a-dia. Assim como a areia e o pó colorido dos pigmentos vêm me conduzindo no meu trabalho, mais recentemente outro material tem interferido na minha pintura: as cinzas. Acredito que cada material tem a sua poética e ativa uma série de significados contidos em sua própria natureza e na história de como os homens com ele se relacionam. O interesse pelas questões ligadas à percepção continua a me instigar. Penso nela no sentido de tentar sentir, entrar em sintonia com o material, no momento da realização do trabalho. Busco perceber de que maneira ele reage, tento não ter uma atitude preconcebida com relação ao trabalho e seus métodos de execução. Por exemplo, sinto que esse procedimento que minha pintura foi construindo partiu da própria preparação da tela. Como eu mesma a preparava, comecei a acrescentar pigmentos na base de preparação da superfície, passando, assim, a construir minha tinta. Isso é importante para que eu perceba como, ao misturar o pigmento na base, um deles afunda mais rápido enquanto outro flutua, levando a revelar na pintura uma película que provoca uma opacidade, uma diferença de brilho. Procuro prestar atenção a isso e assim de alguma forma me distancio do trabalho, para que uns se diferenciem dos outros. Assim, mesmo em pinturas que possuem muitas coisas em comum, cada uma delas foi processada dentro de uma determinada seqüência, de uma maneira singular. Pois penso que o trabalho de arte, hoje, e nesse período da minha vida isso se tornou mais claro para mim, é um processo quase de meditação, de estar ali inteiramente presente, percebendo o que está acontecendo. Então, é um instrumento/momento de silêncio. Também a percepção do olhar do outro tem me mobilizado. Essa é a atitude que tem me conduzido na feitura das pinturas, pois me interessa perceber como interagem com a luz, como sua visibilidade é afetada em determinados momentos. Pois, dependendo da luminosidade, o fundo quase desaparece no brilho, e a opacidade dos elementos que estão sobrepostos fica mais ressaltada. Em alguns trabalhos, isso é muito evidente, pois acontece ao longo do dia, e também de acordo com a posição do espectador. Isso me coloca nesse lugar da pessoa que chega e vê o trabalho, tendo começado a acontecer por causa da luz natural do atelier. Esse efeito que descrevi acontece naturalmente, e ao percebê-lo, passei a levá-lo em conta no momento em que estou pintando. Enfim, o que conduz o meu trabalho é essa tentativa de estar presente, e de ir considerando, à medida que a pintura vai sendo realizada, a maneira como a tinta seca, o comportamento dos materiais...