Durante longo tempo, o homem esteve seguro da sua essência. Metafisicamente, antes de qualquer antropologia, identificou-se como sendo um ser vivo, possuindo o dom da palavra. Estava certo de que era um animal racional, uma criatura feita à imagem de Deus, um ser pensante, o dono do planeta. Hoje em dia, numa altura em que o humanismo se encontra tão dividido, estas definições serão suficientes? Heidegger, no seguimento da fenomenologia, teve o mérito de reencontrar e descrever a unidade do ser-no-mundo, voltando-se para o lado da dualidade da animalidade e da razão. Definiu o Dasein a partir da sua transcendência, da sua temporalidade ekstática, da sua abertura relativamente ao ser, em suma a partir do pensamento-palavra. Na sua crítica ao antropocentrismo ocidental, Heidegger transferiu todas as faculdades humanas para o ser, indo, deste modo, tão longe quanto possível (talvez até demais) rumo a um inquietante desapossar da subjectividade. Quem pode negar que é no seu mundo e na sua época que o homem encontra as suas possibilidades e descobre a sua identidade? Mas onde está, nesta definição, a relação com a natureza, com a vida, que certificava uma tradição de mais de vinte séculos - relação essa actualmente tão ameaçada? Um ensaio fundamental que tenta situar a verdade do homem num entrelaçamento entre uma dimensão mundial, institucional, da linguagem e uma vertente terrestre, carnal e silenciosa.