São Paulo nem sempre foi essa monstruosidade de concreto, poluição, barulho, paranóia e trânsito, pronta para engolir os incautos que nela se aventuram. São Paulo já teve jardins, guerras de mamona, bondes, festas juninas, galos nos quintais. Assim como a televisão nem sempre foi essa máquina de capturar almas, com sexo, violência, programas dominicais e fofocas vazias. A televisão já foi ingênua, com palhaços, desenhos animados sem dublagem, concursos de miss, seriados de aventura. Esses dois passados acabam se encontrando, magistralmente, em 'Laertevisão' - um livro de memórias reveladas na forma de crônicas gráficas. Na obra, organizada pelo seu filho Rafael Coutinho, Laerte desfia uma série de tirinhas que recordam esse mundo perdido, entre a primeira comunhão e as primeiras noções de arte, entre Mozart e os jogos de futebol, entremeados por lembranças literalmente resgatadas do fundo do baú - fotografias, desenhos de infância, recortes de revistas, dispostos lado a lado com as tirinhas. Lassie, Além da Imaginação, Aventura Submarina, regras para a guerra entre meninos e meninas, desenhos bíblicos copiados à mão, a morte de John Kennedy, o telão no centro da cidade durante a Copa do Mundo de 1966, beatniks no programa da Hebe Camargo. Uma visão terna, sensível e também muito sincera de uma época que não existe mais, quando o mundo chegava à todas as casas filtrado pelos raios catódicos em preto-e-branco de uma televisão valvulada.