O estrangeiro é por definição um atopos, sem lugar, deslocado, inclassificável, como apontou Bourdieu. Sua aparição tem o poder de revirar tradições inteiras, de por em questão verdades conservadas em milênios. O estrangeiro é, no sentido psicanalítico, o outro por excelência, um espelho cujo reflexo (des)alinha a imagem do eu e mesmo do nós. Daí a força de que se revestem as ações que o rejeitam. Vemo-lo desde textos mais antigos, ilustrado no drama do judeu errante assim como na imensa vaga de refugiados que doravante avança aos limites do mundo. A simples presença de seu corpo constrange; a insinuação de seus gestos perturba as mais finas teias do tênue tecido social em que nos movemos cotidianamente. Mas o que podemos aprender com ele? O que a eterna desordem que o estrangeiro encarna pode nos mostrar sobre o funcionamento mais íntimo, as normas mais tácitas aquelas de que já não nos damos conta, as quais simplesmente obedecemos e que, por isso mesmo, nos põem vulneráveis [...]