Num tempo em que a sociedade brasileira parece optar, generalizadamente, pela mediocridade - em todos os níveis, desde a política até a arte, desde a indumentária até a arquitetura -, Gilberto Sorbini vem provar que há resistência e ela ocorre de maneira sistemática nos subterrâneos. Como na Idade Média, quando a cultura ocidental salvou-se pela abnegação de uns poucos monges, hoje ela perdura naqueles nichos que desafiam o coro dos contentes, como escreveu certa feita Torquato Neto, ele mesmo um desses "anjos loucos" contestadores. Poesia é outr a coisa é um conjunto de palavras e imagens - às vezes palavras-imagens, às vezes imagens-palavras - que exercitam a busca da própria essência do fazer poético. Mas, longe das pesquisas dos parnasianos, que edificavam uma torre de marfim onde se refugiava o gênio, Gilberto Sorbini ilumina a poesia na substância do cotidiano, revelando que a manifestação do sublime acontece no dia a dia, inseparável da inter-relação entre pessoas e coisas. Os poemas podem ser compreendidos - porque aqui importa muito mais a intelecção do que a leitura propriamente dita - em sua singularidade, mas o manuseador deste livro deve ter em conta que cada um deles possui o lume que acende o outro, construindo assim uma narrativa completa e compacta, cuja origem e fim é a própria poesia, a que outros, como Sorbini, também chamam vida. Embora visivelmente vinculado a uma noção estética vanguardista, Sorbini não se submete ao sectarismo de escolas: no intuito de encontrar a forma correta para expressar-se, ora utiliza estruturas concretistas, ora emprega procedimentos do poema-visual, ora ostenta a irreverência do poema-piada, ora submete-se às exigências da tradição. A memória, recente ou pretérita, substrato da reflexão, surge e ressurge neste livro, alcançando o que todos perseguem e mínimos granjeiam, a transcendência. Em tempos de indigência, experienciar a obra de Gilberto Sorbini é alimentar o espírito de fé na sobrevivência da arte. Luiz R.