Planejar e organizar uma fornada exige tempo. Tempo de rever os trabalhos feitos, perceber os resultados conquistados. É do encontro com o passado que se torna possível o aparecimento do novo. Uma peça pede outra peça e, assim, sucessivamente, surgem séries de peças modeladas ou feitas no torno, alteradas e retrabalhadas. Uma vez secas, são montadas cuidadosamente dentro do forno e, para isso, são necessários pelo menos dois dias de trabalho ininterrupto, pois esse é um jogo e um momento que deve ser bem calculado. Dentro da câmara são possíveis inúmeras posições para os objetos e é necessário percebê-las cuidadosamente, em função dos efeitos esperados sobre eles na hora da queima (pode-se, por exemplo, envolver antes algumas peças com palha de arroz) e deixar as passagens por onde o fogo irá atuar. É preciso pensar o caminho dele, forçá-lo a circular na base, a dissipar dentro do espaço e a proteger os lugares mais arriscados. Quando o forno está completo, é hora de fechá-lo e iniciar uma outra viagem. Hoje, atiçar o fogo em um forno sob a terra me remete, de algum modo, àquele mesmo ritual de infância, porém acrescido de uma atitude mais sensual e até mesmo mística, porque envolve todos os meus sentidos. Em seus vários estágios, o fogo nos fala, exala seus cheiros, mostra seus caminhos, revela suas cores. Antes mesmo do raiar do dia, acendo uma pequenina fogueira do lado de fora do forno. Gravetos e palha estalam e apagam a cada minuto, exigindo um grande cuidado e paciência. Um fogo, inicialmente tímido, enfumaça, então, o forno ainda frio e escuro. O momento é de silêncio e solidão, de preparação para uma aventura que se delineia longa: setenta horas de duração. O fogo é exigente. A cada etapa é preciso um tipo de lenha para alimentar esse tipo de forno: do aquecimento externo ao pequeno fogo que começa a entrar pelo canal inferior até ao grande fogo. A resposta é, após certo tempo, surpreendente: golpes de chama aos poucos se propagam, uma cama de brasas vai se formando, primeiramente, no canal inferior e depois, sobre uma grelha bem em frente, por onde a lenha passa a ser colocada. As cinzas flutuam docemente naquele denso ar quente, e, à medida que a temperatura se eleva, a beleza e o encantamento tomam conta de seu interior. As labaredas correm fluidas, como água num caminho, trazem um rastro de cheiros, sons e sopros. As brasas ganham uma qualidade incandescente e o forno é envolvido pelo calor e pelo brilho. É preciso saber esperar mais um tempo para que toda a atmosfera do forno se harmonize para que possa ser fechado e lacrado por uma semana.