O superendividamento dos indivíduos na contemporaneidade tem suscitado debates jurídicos e políticos, notadamente em relação aos limites e deveres de intervenção do Estado na proteção do sujeito contra as armadilhas do mercado. A atuação amoral do mercado, uma estratégia de estímulo ao consumo por meio da concessão maciça de crédito, somada à cultura consumista contemporânea, todos esses fatores formam o caldo de cultura em que proliferam os casos de crise de solvência de devedores que se veem impossibilitados de arcar com os custos das obrigações assumidas sem grave comprometimento da sua subsistência e de sua família. O problema envolve muitos fatores e que não necessariamente são compreensíveis nos estritos limites da dogmática jurídica, impondo um esforço de compreensão multidisciplinar, com questões que somente podem ser enfrentadas por meio de análises, a um só tempo, jurídicas, sociológicas, políticas e econômicas. O superendividamento foi escolhido como um caso exemplar para uma pesquisa empírica que pretende a localização de um padrão exemplar de decisão judicial, buscando saber se há ou não um significado compartilhado de superendividamento, quais os requisitos para sua caracterização e quais os limites de intervenção judicial nos contratos. Não se pode tomar como regra que todo consumidor de crédito é um incapaz e reduzir tudo a uma vitimização desse consumidor, mas não se pode aceitar o fruto perverso da cultura consumista do bem-estar individualista, que impõe um inaceitável sofrimento ao devedor superendividado, pelo estigma de sujeito incapaz. Além disso, busca-se uma concepção de justiça consentânea com as contingências e peculiaridades da sociedade brasileira na abordagem do fenômeno do superendividamento, a partir do modelo de Estado Social, do constitucionalismo comunitário brasileiro e da justiça distributiva.