O grito da borboleta, livro de estreia de João Lucas Dusi, beira o insuportável, cambaleia na beira do abismo, causa diarreias, vertigens, calores noturnos, e profunda sensação de arrebatamento estético. Sua narrativa precisa e sofisticada nos apresenta, com graus severos de ironia e sarcasmo, personagens que forjam o impossível, afundados nos graus mais abjetos de entorpecimento e humanidade. Os personagens que atravessam os contos nos lembram que, se hoje achamos que ninguém pode ser mais repugnante que o governante que fala só para chocar e se deleita com a miséria e a tortura, a experiência literária ainda pode levar para mais longe a potencialidade da derrocada humana (ainda que os jornais, enquanto escrevo, tenham disponibilizado fotos de cabeças decepadas numa rebelião num presídio). O autor, no entanto, não goza com o desastre: seus narradores e personagens nos proporcionam algo como o equivalente da catarse no teatro ateniense. [?? por Rodrigo Tadeu Gonçalves]