Com ousadia, esta obra reflete sobre a forma que adquirem as memórias clandestinas ao serem apropriadas por dispositivos institucionais, denunciando ao mesmo tempo o flagelo da tortura imposto ao país pelo golpe militar de 1964. Enveredando pelas mais exíguas vielas do universo da informação e da comunicação, Ana Lúcia Siaines de Castro, de modo cativante, revela as vicissitudes de uma pensadora apaixonada. Fruto de intensa e extensa pesquisa, a autora, manejando com habilidade exemplar a arma da redicção, mergulha no presente, resgata o passado e funda uma narrativa que vivifica o que não deve ser esquecido. Na resistência ao silenciar, esta obra confronta a memória oficial com a memória clandestina, afirmando como esta última se sobressai na "cena cultural" ao invadir o espaço público, como museus, arquivos e bibliotecas. No contexto deste livro, Ana Lúcia empreende a leitura do período histórico que antecede o golpe militar de 1964 - a década de 50 -, destacando o papel da mídia na construção de um imaginário social que imputava aos opositores do sistema a figura de traidor da pátria. Associadas, as imagens de comunismo e de esquerda são apresentadas como ameaças permanentes ao poder instituído, fornecendo ainda os contornos de uma "subjetividade subversiva" que, consolidada, aumenta a matéria-prima de uma subjetividade hegemônica, responsável por uma percepção dominante de mundo. Sobre esse fundo, é apresentado o depoimento de um ex-preso político, confirmando, por um lado, a existência, na época, da violência oficializada na forma de tortura, desaparecimento ou morte e, por outro, que o confronto com o silêncio pôde salvá-lo da ocultação. Ganha relevo, também, a ação do Grupo Tortura Nunca Mais pelo papel que desempenha na percepção e na compreensão de processos comunicativos e informacionais, uma vez que atua como memória viva, não deixando calar ou esquecer o preocupante inventário histórico que constituiu a América Latina, com seus 90 mil desaparecidos. Selando os contornos bem definidos da obra, o museu é apresentado como o rico lócus do que vive e vige e não do petrificado, do que deve ser isolado ou esquecido. Mais do que denunciar, Ana Lúcia demonstra que respostas criativas são aquelas que conduzem a um pensar de provocação. Um pensar que, ritmado aos acordes da ética, rompa com a quietude silenciosa, afirmando memórias que conservem a centelha das lutas pela vida e pela liberdade.